Votando ou não, devemos ser ingovernáveis!
Uma coprodução entre Antimídia e Facção Fictícia.
O Voto Não Vai Nos Salvar do Fascismo – A Outra Campanha 2022
As eleições estão aqui. É hora da corrida para saber quem conquistará a presidência, os governos estaduais e o Congresso Nacional. E já sabemos o que acontece em um ano eleitoral: toda luta social é desestimulada para que a vida gire em torno de escolher quem vai governar o país e tomar decisões sobre como nossas vidas serão. Chamam isso de democracia.
No Brasil, nem mesmo uma pandemia que matou mais de 700 mil pessoas e uma crise econômica histórica que colocou o país novamente no mapa da fome bastaram para romper com a pacificação dos movimentos sociais orquestrada pelos partidos que controlam muitos deles e se alimentam da apatia e da falta de radicalização dos protestos e ações. Mas nem todo mundo suportou essa paz, que de paz não tem nada, pois significa o extermínio de pessoas pobres, pretas, indígenas, mulheres e dissidentes de gênero. As pessoas, movimentos, comunidades e torcidas organizadas que ousaram ir às ruas protestar e exigir direitos básicos durante a crise sanitária, tiveram que lutar sozinhas, sem a solidariedade de uma esquerda que preferiu adotar o “fica em casa” para toda sua prática política. Uma esquerda que preferia abrir mão da ação nas ruas, da auto-organização, para esperar por novas eleições como quem espera por uma vacina contra um vírus. Mas para a exploração capitalista e para o crescimento do fascismo, não há vacina, apenas ação.
Uma das justificativas para “ficar em casa” e esperar por dias melhores era a ideia de que protestar e barrar as carreatas e motociatas em apoio a esse governo fascista e militarizado seria “dar um pretexto” para a repressão ou para um golpe de Jair Bolsonaro – como se a violência policial, a repressão, o racismo e os golpes precisassem de pretextos.
Quando protestos e contramanifestações que poderiam minar o apoio popular de Jair Bolsonaro nas ruas foram desencorajados e sabotados pela esquerda hegemônica, as únicas formas de protesto restantes foram cartas gestadas pela elite intelectual e econômica para gentil e tardiamente pedir para que a democracia não seja destruída. A Carta aos Brasileiros e Brasileiras de 2022 emula a Carta aos Brasileiros de 1977, que pedia aos militares que devolvessem o Estado de Direito. Na época, foi lida na Faculdade de Direito de São Paulo por um orador no mínimo suspeito, escolhido pelos escritores da carta: o antigo apoiador do golpe de 1964 e membro da Ação Integralista Brasileira, Gofredo Teles Júnior.
Nesse ano, tanto a carta escrita pelos juristas de São Paulo quanto a escrita pela FIESP, dão o clima de uma suposta “união entre capital e trabalho“, comprovando a tese de que o fascismo atrasa qualquer agenda de esquerda revolucionária, juntando frentes cada vez mais amplas em uma luta para manter tudo como está. Daí segue o risco de um antifascismo que não toma as ruas, que não se propõe combativo e radicalizado, se tornar apenas uma força defendendo abstrações vagas como “liberdade e democracia”, ou uma aliança estagnada que apenas tenta evitar que o capitalismo deixe seus cães de guarda fascistas tomarem a frente do sistema que nunca os eliminou.
* * *
Em pouco tempo, descobriremos quem vai ganhar a confiança da maioria do eleitorado (que nunca é maioria das pessoas de um país) para fazer as leis e políticas que afetam a todas nós. Ou então, veremos o tal golpe de Estado, anunciado, ensaiado e orquestrado à luz do dia, com apoio dos militares e a conivência dos três poderes que supostamente vigiam e protegem a saúde das democracias.
Neste ano, a disputa para o cargo de presidente se apresenta como mais determinante do que nunca. Como se o futuro da democracia em si estivesse em jogo. De fato, para muitas pessoas excluídas e marginalizadas, a vitória de Jair Bolsonaro pode significar uma questão de vida ou morte. Para outra grande parcela da população, um novo governo Lula é a esperança de um retorno a um passado onde as pessoas mais pobres tiveram maior acesso à educação e renda, e a miséria foi quase eliminada.
Mas podemos mesmo confiar que bastaria votar e entregar poder e legitimidade a alguns políticos profissionais para que nossa vida seja realmente melhor? Ou alguém acredita que o bolsonarismo vai recuar das ruas, dos batalhões, das instituições e do coração de milhões de pessoas se um novo líder ocupar a cadeira de presidente? Tanto o capitalismo quanto a representação política na democracia estão em crise pois não convencem ninguém de que de fato integram ou representam a maioria da população. Uma prova disso é que a cada ano, mais e mais pessoas sequer se dão ao trabalho de votar.
Se analisarmos a história recente, veremos que uma vitória nas urnas não garante muita coisa. Não é o suficiente nem para assegurar que governantes eleitys se mantenham em seus mandatos, como foi o caso de Dilma Rousseff, de Fernando Lugo no Paraguai, que foram destituídys por impeachments, ou do cacique Marcos Xukuru que foi eleito o primeiro prefeito indígena na cidade de Pesqueira, no Pernambuco, mas foi impedido de assumir. Serve muito menos para garantir que se cumpra qualquer promessa de nos garantir uma vida livre e igualitária, ou nossa autodeterminação enquanto povos.
Como nos mostra a recente eleição de Boric no chamado Chile, que se apresentava como um radical de esquerda, apenas para vermos ele criminalizar os movimentos sociais e decretar estado de exceção em territórios do povo Mapuche, perseguindo e prendendo lideranças. Ou mesmo a eleição de Joe Biden, nos chamados Estados Unidos, que não foi o suficiente para impedir o avanço de pautas conservadoras, como a criminalização do aborto que deixou de ser um direito em todo o país para se tornar crime hediondo em alguns estados.
A história do Brasil também não é uma história democrática como querem que a gente acredite. A Primeira República foi instaurada em 1889 por um golpe militar que derrubou o Império.
Se analisarmos a história recente, veremos que uma vitória nas urnas não garante muita coisa. Não é o suficiente nem para assegurar que governantes eleitys se mantenham em seus mandatos, como foi o caso de Dilma Rousseff, de Fernando Lugo no Paraguai, que foram destituídys por impeachments, ou do cacique Marcos Xukuru que foi eleito o primeiro prefeito indígena na cidade de Pesqueira, no Pernambuco, mas foi impedido de assumir. Serve muito menos para garantir que se cumpra qualquer promessa de nos garantir uma vida livre e igualitária, ou nossa autodeterminação enquanto povos.
Como nos mostra a recente eleição de Boric no chamado Chile, que se apresentava como um radical de esquerda, apenas para vermos ele criminalizar os movimentos sociais e decretar estado de exceção em territórios do povo Mapuche, perseguindo e prendendo lideranças. Ou mesmo a eleição de Joe Biden, nos chamados Estados Unidos, que não foi o suficiente para impedir o avanço de pautas conservadoras, como a criminalização do aborto que deixou de ser um direito em todo o país para se tornar crime hediondo em alguns estados.
A história do Brasil também não é uma história democrática como querem que a gente acredite. A Primeira República foi instaurada em 1889 por um golpe militar que derrubou o Império.
No século XX, tivemos outros dois golpes de Estado. O primeiro ocorreu em 1930 e colocou Getúlio Vargas no poder. E em 1964, um golpe militar brutal inaugurou um regime de 21 anos de tortura e assassinatos, que nunca foi derrotado: apenas fez uma transição de poder com anistia para todos os militares. Metade dos presidentes brasileiros não foram eleitos diretamente pela população Dos 38 presidentes brasileiros, somente 24 foram eleitos pelo voto direto e apenas quatro completaram todos os seus mandatos ao longo de um século. O atual governo de Jair Bolsonaro tem mais militares em cargos públicos que qualquer outro governo ditatorial ou militar brasileiro.
Assim, a “ordem natural” na democracia brasileira é o golpe, a ditadura e a militarização (ampliada como nunca durante a gestão petista), que buscam sempre manter o controle do poder executivo nas mãos de determinadas elites através de meios não-tão-democráticos.
Para quem concorda que não basta mudar de presidente, mas que é preciso uma base parlamentar alinhada com o poder executivo, lembramos que isso também não é o suficiente. A recente PEC Kamicaze, por exemplo, atropela a lei eleitoral, estoura o teto de gastos do governo com o uso ilegal de um “estado de emergência” para que Jair Bolsonaro tenha mais dinheiro para dar a caminhoneiros e famílias mais pobres, para comprar votos e compensar políticas públicas concretas que não foram feitas ao longo de todo o seu mandato. A PEC foi aprovada com apenas um voto contrário e com o voto de todos os senadores do PT, que ficaram com medo de serem julgados como “anti-povo” ao barrarem a proposta ilegal do presidente.
Não podemos confundir uma crítica radical ao sistema eleitoral, de baixo e à esquerda, com a crítica oportunista contra o sistema de urnas eletrônicas propagandeada por Bolsonaro e pela extrema-direita. O fascismo questiona o sistema democrático, as instituições, os poderosos, os super-ricos, apenas quando é útil para que se apresente como uma mudança “de fora”, “apolítica” e “disruptiva” quando, na verdade, é só uma forma mais autoritária e violenta de manutenção dos privilégios das elites de sempre. O que propomos é o questionamento da democracia burguesa em si e uma outra prática política que rejeite a representação e a divisão da sociedade em governantes e governados, representantes e representados.
Bolsonaro, como todo autoritário proto-fascista, é uma ameaça usada para nos fazer aceitar aquilo que dizem ser a única alternativa viável ao seu autoritarismo, a única forma de pará-lo: a eleição de um governo minimamente progressista, que promove uma nova conciliação com as classes dominantes, ou mesmo um governo neoliberal clássico. Mas não existem apenas duas opções, como nos querem fazer crer. Uma suposta aliança com a classe dominante não é a única alternativa a viver sob a opressão violenta dessa mesma elite. Podemos escolher resistir e criar um mundo novo. Se tem algo que as revoltas de junho de 2013 nos mostraram, é que um levante popular radicalizado e descentralizado tem o poder de abalar as estruturas de um regime. Se houve algum erro naquele momento, foi o de recuar e permitir que a direita ocupasse as ruas e não continuar radicalizando e tensionando. Criando uma cultura de resistência e luta.
Vamos nos inspirar na luta feminista que não saiu das ruas até que o Estado Argentino descriminalizasse o aborto. Ou no movimento indígena no chamado Equador que forçou o governo a baixar o preço dos combustíveis e não saiu das ruas mesmo após sua vitória.
Foi um erro esperar que as eleições tirassem Michel Temer da presidência para nos salvar do avanço do conservadorismo. Foi um erro permitirmos que Bolsonaro chegasse ao fim do seu mandato. Quer você vote ou não para tirar Bolsonaro do poder, não podemos nos iludir de que isso será suficiente para garantir uma vida mais justa para todys nós. Será preciso muita luta e organização. Desde já.
Se a esquerda petista voltar ao poder, é preciso seguir lutando para garantir nossa existência e o acesso àquilo que precisamos. Ou já esquecemos que, apesar do Bolsa Família, do acesso à moradia e a universidades, durante os governos de Lula e Dilma vimos os bancos lucrarem como nunca enquanto a população carcerária brasileira subia 600%, se tornando a 3ª maior do mundo. Sem falar da guerra aos pobres com a instalação de UPPs nas favelas cariocas, os megaeventos consumindo dinheiro público para receber Copa do Mundo e Olimpíadas ao custo da remoção de milhares de famílias. Ou mesmo da construção de Usina de Belo monte que levou devastação ambiental e social com violência, alcoolismo, prostituição infantil e morte para o coração da Amazônia, além do declínio e paralisação da reforma agrária e das demarcações de terras indígenas.
A Outra Campanha relembra os chamados do Movimento Zapatista no México que se levantaram por autodeterminação e convidam a todos os povos para se organizarem permanentemente, para além dos anos eleitorais. Portanto, se você escolher votar ou não, isso não importa. O que importa é o que fazemos apesar das eleições!
Se em 2023, enfrentaremos o capitalismo e a repressão policial comandados por Bolsonaro e suas milícias ou por mais um governo Lula e as suas elites parceiras, o que precisamos é saber como vamos nos organizar enquanto movimentos, coletivos e comunidades. O que não podemos é acreditar que estaremos a salvo entregando todo nosso poder de ação para representantes eleitos e confiar que farão algo por nós, ou que eliminarão o fascismo da sociedade. O fascismo nunca foi embora com uma derrota nas urnas, pois habita os sentimentos e as práticas das pessoas comuns, não apenas dos líderes.
Encontre e junte-se a movimentos de base, apoie aldeias e povos indígenas, comunidades, quilombos e ocupações em resistência, some forças com grupos antifascistas. Ou crie seu próprio coletivo ou organização com pessoas com quem tem afinidade política e objetivos em comum.
E não importa quem seja eleito, seja ingovernável.
Para saber mais:
Vídeo da Outra Campanha 2020:
Leituras recomendadas:
SOBRE AS ELEIÇÕES: ORGANIZAR-SE – Subcomandante Insurgente Moisés – EZLN.
DA DEMOCRACIA À LIBERDADE – Coletivo CrimethInc.
COMO SERIA UM PROGRAMA ANARQUISTA? – Coletivo CrimethInc.
ANARQUIA FUNCIONA – Peter Geoderloos.
ANARQUIA VIVA! POLÍTICA ANTIAUTORITÁRIA DA PRÁTICA
PARA A TEORIA – Uri Gordon.
BANDEIRA NEGRA: REDISCUTINDO O ANARQUISMO – Felipe Corrêa
ANARQUISMO NO SÉCULO 21 – David Graeber
ANARQUISMO E A FALÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO – Camila Jourdan
MANUAL ANTIFA – Mark Bray