Aqui estamos em mais um ano eleitoral. Como muitos de nós afirmamos, o voto não foi capaz de barrar o fascismo. Em 2024, a extrema direita aparece fragmentada nas eleições municipais, mas membros do governo Bolsonaro, militares e líderes da burguesia que organizaram a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 seguem suas vidas sem consequências. Enquanto isso, no campo da esquerda, pouco foi aprendido sobre os limites da política eleitoral. O governo Lula já coleciona decepções, desrespeito a grevistas e atraso em atender as demandas dos grupos oprimidos que convidou para subir a rampa no dia da posse e prometeu representar.
Alguns movimentos e formadores de opinião da esquerda chegam ao ponto de conclamar o “voto útil” em candidatos de direita que estão à frente nas pesquisas, para supostamente “barrar a extrema-direita”, como acontece em Belo Horizonte.
Aproveitamos mais um brilhante vídeo do coletivo Antimídia para lembrar que, como escrevemos em 2020, quem perde tempo, recursos, atenção e apoio com tudo o que é gasto para campanhas eleitorais, são os movimentos sociais. Ou nos organizamos com os de baixo, ou votamos com os de cima. O meio do caminho é sempre a vitória do Estado e a derrota dos povos, dos biomas e da liberdade.
Os Movimentos Sociais Perderam as Eleições
Campanhas eleitorais exigem muito dinheiro, energia e tempo. Recursos limitados que poderíamos usar pra fortalecer nossas comunidades, lutar contra as opressões e contra um sistema que está literalmente acabando com a vida na Terra.
Mesmo que as lideranças de movimentos sociais que estão concorrendo a um cargo sejam eleitas, o movimento social perde. Pois as pessoas eleitas deixam de agir dentro de suas organizações e territórios e passam a viver nos salões e confraternizar com nossos inimigos. Deixam de lado a luta, para buscar a conciliação com a classe dominante que controla as instituições da democracia.
Não há como usar a estrutura do Estado colonialista brasileiro, sem a permissão da elite que o criou. Não há como fazer as instituições do Estado funcionarem sem reproduzir as dinâmicas de violência e opressão que foram criadas para exercer.
Estamos ficando sem tempo. A cada dia que deixamos de lutar esperando uma conjuntura melhor, a cada par de anos que perdemos esperando por um governo que vai finalmente fazer a diferença, a nossa situação apenas piora.
Nossa vida é agora. Nossa luta é agora. Nossos sonhos não cabem nas urnas e nos palácios de governo. Quanto mais cedo nos dermos conta de que nosso futuro está em nossas mãos, melhor será nossa condição. Não precisamos esperar pelo colapso dessa sociedade para construir uma nova. Podemos começar agora. Para mudar tudo, comece de algum lugar!
Da Democracia à Liberdade – Livro organizado por CrimethInc. sobre a origem da democracia e o limites da apropriação por movimentos radicais contemporâneos.
Além do Voto – Artigos do portal Além do Voto sobre eleições.
Passadas as eleições, Bolsonaro foi derrotado por uma margem mínima de apenas 1,8% e seus apoiadores não aceitam os resultados. Os recentes bloqueios de avenidas e protestos em frente a quartéis mostra que o fascismo não vai embora apenas com uma vitória eleitoral. Nem será esquecido por 58 milhões de eleitores de Bolsonaro tão rapidamente.
Seguiremos nas organizações e agitações de base e debatendo em espaços populares, libertários e rebeldes. Este ano, tivemos atividades em várias cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
O próximo debate da rede Outra Campanha será na Feira Anarquista de São Paulo, dia 13 de novembro de 2022. Estaremos com camaradas da Teia dos Povos e do CUAPI(Coletivo Urbano em Apoio aos Povos Indígenas) para a mesa Retomada Indígena, Apoio Mútuo e Política Além do Voto, às 15h30.
Na última semana antes das eleições mais tensas da era democrática brasileira, mais dois eventos da Outra Campanha acontecerão em Porto Alegre e no Rio de Janeiro.
Lembramos que para organizar um evento na sua cidade, basta usar os materiais disponíveis que reunimos aqui, incluindo textos, posters e o vídeo.
Nos vemos nas ruas!
PORTO ALEGRE, 28/09:
Se vocês acreditam que é necessário fortalecer nossas comunidades e redes, nos organizar e construir fora dessa política institucional que disputa o Poder, que é necessário destruir o fascismo TODOS os dias… esperamos vocês para esse encontro!
– Exibição do vídeo “O voto não vai nos salvar do fascismo”, do coletivo @antimidia_
Outra Campanha é uma iniciativa política autônoma impulsionada pelo Movimento Zapatista no México pautada pela luta de base e pelos movimentos sociais. Neste encontro híbrido, com a participação da Kasa Invisível, do Lasintec e da Adep pretendemos debater alternativas de organização popular que não se reduzem à esfera institucional.
Nossa discussão terá como disparador o seguinte texto:
Para facilitar a difusão e o debate do conteúdo da Outra Campanha, produzido e organizado pelos coletivos Antimídia e Facção Fictícia, disponibilizamos uma versão zine do texto da campanha de 2022, para impressão e distribuição.
Além disso, disponibilizamos posters que podem ser utilizados para promover eventos como mostras de vídeo e debates sobre política além do voto; e também, cartazes com artes do artista radical Dinelli, especialmente cedidas para a Outra Campanha. Imprima e difunda!
Versão zine para ler online e imprimir:
Zine 2020, para ler online e imprimir:
Cartaz para eventos:
Artes por Dinelli, especialmente cedida para a Outra Campanha.
Em agosto começou oficialmente o período de campanha eleitoral. É hora da corrida para saber quem vai ocupar os cargos que determinam como nossa vida vai ser. Bolsonaro precisa ir embora, mas, independente do resultado nas urnas, a ameaça fascista do bolsonarismo permanecerá nas ruas, nas forças de segurança, milícias e nas elites do capital queimando vidas e as florestas. Se você escolher votar ou não, isso pouco importa. O que importa é o que fazemos apesar disso! A Outra Campanha convoca indivíduos e movimentos a se organizarem para além do dia da eleição, por um outro (fim do) mundo possível.
O Voto Não Vai Nos Salvar do Fascismo – A Outra Campanha 2022
As eleições estão aqui. É hora da corrida para saber quem conquistará a presidência, os governos estaduais e o Congresso Nacional. E já sabemos o que acontece em um ano eleitoral: toda luta social é desestimulada para que a vida gire em torno de escolher quem vai governar o país e tomar decisões sobre como nossas vidas serão. Chamam isso de democracia.
No Brasil, nem mesmo uma pandemia que matou mais de 700 mil pessoas e uma crise econômica histórica que colocou o país novamente no mapa da fome bastaram para romper com a pacificação dos movimentos sociais orquestrada pelos partidos que controlam muitos deles e se alimentam da apatia e da falta de radicalização dos protestos e ações. Mas nem todo mundo suportou essa paz, que de paz não tem nada, pois significa o extermínio de pessoas pobres, pretas, indígenas, mulheres e dissidentes de gênero. As pessoas, movimentos, comunidades e torcidas organizadas que ousaram ir às ruas protestar e exigir direitos básicos durante a crise sanitária, tiveram que lutar sozinhas, sem a solidariedade de uma esquerda que preferiu adotar o “fica em casa” para toda sua prática política. Uma esquerda que preferia abrir mão da ação nas ruas, da auto-organização, para esperar por novas eleições como quem espera por uma vacina contra um vírus. Mas para a exploração capitalista e para o crescimento do fascismo, não há vacina, apenas ação.
Uma das justificativas para “ficar em casa” e esperar por dias melhores era a ideia de que protestar e barrar as carreatas e motociatas em apoio a esse governo fascista e militarizado seria “dar um pretexto” para a repressão ou para um golpe de Jair Bolsonaro – como se a violência policial, a repressão, o racismo e os golpes precisassem de pretextos.
Quando protestos e contramanifestações que poderiam minar o apoio popular de Jair Bolsonaro nas ruas foram desencorajados e sabotados pela esquerda hegemônica, as únicas formas de protesto restantes foram cartas gestadas pela elite intelectual e econômica para gentil e tardiamente pedir para que a democracia não seja destruída. A Carta aos Brasileiros e Brasileiras de 2022 emula a Carta aos Brasileiros de 1977, que pedia aos militares que devolvessem o Estado de Direito. Na época, foi lida na Faculdade de Direito de São Paulo por um orador no mínimo suspeito, escolhido pelos escritores da carta: o antigo apoiador do golpe de 1964 e membro da Ação Integralista Brasileira, Gofredo Teles Júnior.
Nesse ano, tanto a carta escrita pelos juristas de São Paulo quanto a escrita pela FIESP, dão o clima de uma suposta “união entre capital e trabalho“, comprovando a tese de que o fascismo atrasa qualquer agenda de esquerda revolucionária, juntando frentes cada vez mais amplas em uma luta para manter tudo como está. Daí segue o risco de um antifascismo que não toma as ruas, que não se propõe combativo e radicalizado, se tornar apenas uma força defendendo abstrações vagas como “liberdade e democracia”, ou uma aliança estagnada que apenas tenta evitar que o capitalismo deixe seus cães de guarda fascistas tomarem a frente do sistema que nunca os eliminou.
* * *
Em pouco tempo, descobriremos quem vai ganhar a confiança da maioria do eleitorado (que nunca é maioria das pessoas de um país) para fazer as leis e políticas que afetam a todas nós. Ou então, veremos o tal golpe de Estado, anunciado, ensaiado e orquestrado à luz do dia, com apoio dos militares e a conivência dos três poderes que supostamente vigiam e protegem a saúde das democracias.
Neste ano, a disputa para o cargo de presidente se apresenta como mais determinante do que nunca. Como se o futuro da democracia em si estivesse em jogo. De fato, para muitas pessoas excluídas e marginalizadas, a vitória de Jair Bolsonaro pode significar uma questão de vida ou morte. Para outra grande parcela da população, um novo governo Lula é a esperança de um retorno a um passado onde as pessoas mais pobres tiveram maior acesso à educação e renda, e a miséria foi quase eliminada.
Mas podemos mesmo confiar que bastaria votar e entregar poder e legitimidade a alguns políticos profissionais para que nossa vida seja realmente melhor? Ou alguém acredita que o bolsonarismo vai recuar das ruas, dos batalhões, das instituições e do coração de milhões de pessoas se um novo líder ocupar a cadeira de presidente? Tanto o capitalismo quanto a representação política na democracia estão em crise pois não convencem ninguém de que de fato integram ou representam a maioria da população. Uma prova disso é que a cada ano, mais e mais pessoas sequer se dão ao trabalho de votar.
Se analisarmos a história recente, veremos que uma vitória nas urnas não garante muita coisa. Não é o suficiente nem para assegurar que governantes eleitys se mantenham em seus mandatos, como foi o caso de Dilma Rousseff, de Fernando Lugo no Paraguai, que foram destituídys por impeachments, ou do cacique Marcos Xukuru que foi eleito o primeiro prefeito indígena na cidade de Pesqueira, no Pernambuco, mas foi impedido de assumir. Serve muito menos para garantir que se cumpra qualquer promessa de nos garantir uma vida livre e igualitária, ou nossa autodeterminação enquanto povos.
Como nos mostra a recente eleição de Boric no chamado Chile, que se apresentava como um radical de esquerda, apenas para vermos ele criminalizar os movimentos sociais e decretar estado de exceção em territórios do povo Mapuche, perseguindo e prendendo lideranças. Ou mesmo a eleição de Joe Biden, nos chamados Estados Unidos, que não foi o suficiente para impedir o avanço de pautas conservadoras, como a criminalização do aborto que deixou de ser um direito em todo o país para se tornar crime hediondo em alguns estados.
A história do Brasil também não é uma história democrática como querem que a gente acredite. A Primeira República foi instaurada em 1889 por um golpe militar que derrubou o Império.
Se analisarmos a história recente, veremos que uma vitória nas urnas não garante muita coisa. Não é o suficiente nem para assegurar que governantes eleitys se mantenham em seus mandatos, como foi o caso de Dilma Rousseff, de Fernando Lugo no Paraguai, que foram destituídys por impeachments, ou do cacique Marcos Xukuru que foi eleito o primeiro prefeito indígena na cidade de Pesqueira, no Pernambuco, mas foi impedido de assumir. Serve muito menos para garantir que se cumpra qualquer promessa de nos garantir uma vida livre e igualitária, ou nossa autodeterminação enquanto povos.
Como nos mostra a recente eleição de Boric no chamado Chile, que se apresentava como um radical de esquerda, apenas para vermos ele criminalizar os movimentos sociais e decretar estado de exceção em territórios do povo Mapuche, perseguindo e prendendo lideranças. Ou mesmo a eleição de Joe Biden, nos chamados Estados Unidos, que não foi o suficiente para impedir o avanço de pautas conservadoras, como a criminalização do aborto que deixou de ser um direito em todo o país para se tornar crime hediondo em alguns estados.
A história do Brasil também não é uma história democrática como querem que a gente acredite. A Primeira República foi instaurada em 1889 por um golpe militar que derrubou o Império.
No século XX, tivemos outros dois golpes de Estado. O primeiro ocorreu em 1930 e colocou Getúlio Vargas no poder. E em 1964, um golpe militar brutal inaugurou um regime de 21 anos de tortura e assassinatos, que nunca foi derrotado: apenas fez uma transição de poder com anistia para todos os militares. Metade dos presidentes brasileiros não foram eleitos diretamente pela população Dos 38 presidentes brasileiros, somente 24 foram eleitos pelo voto direto e apenas quatro completaram todos os seus mandatos ao longo de um século. O atual governo de Jair Bolsonaro tem mais militares em cargos públicos que qualquer outro governo ditatorial ou militar brasileiro.
Assim, a “ordem natural” na democracia brasileira é o golpe, a ditadura e a militarização (ampliada como nunca durante a gestão petista), que buscam sempre manter o controle do poder executivo nas mãos de determinadas elites através de meios não-tão-democráticos.
Para quem concorda que não basta mudar de presidente, mas que é preciso uma base parlamentar alinhada com o poder executivo, lembramos que isso também não é o suficiente. A recente PEC Kamicaze, por exemplo, atropela a lei eleitoral, estoura o teto de gastos do governo com o uso ilegal de um “estado de emergência” para que Jair Bolsonaro tenha mais dinheiro para dar a caminhoneiros e famílias mais pobres, para comprar votos e compensar políticas públicas concretas que não foram feitas ao longo de todo o seu mandato. A PEC foi aprovada com apenas um voto contrário e com o voto de todos os senadores do PT, que ficaram com medo de serem julgados como “anti-povo” ao barrarem a proposta ilegal do presidente.
Não podemos confundir uma crítica radical ao sistema eleitoral, de baixo e à esquerda, com a crítica oportunista contra o sistema de urnas eletrônicas propagandeada por Bolsonaro e pela extrema-direita. O fascismo questiona o sistema democrático, as instituições, os poderosos, os super-ricos, apenas quando é útil para que se apresente como uma mudança “de fora”, “apolítica” e “disruptiva” quando, na verdade, é só uma forma mais autoritária e violenta de manutenção dos privilégios das elites de sempre. O que propomos é o questionamento da democracia burguesa em si e uma outra prática política que rejeite a representação e a divisão da sociedade em governantes e governados, representantes e representados.
Bolsonaro, como todo autoritário proto-fascista, é uma ameaça usada para nos fazer aceitar aquilo que dizem ser a única alternativa viável ao seu autoritarismo, a única forma de pará-lo: a eleição de um governo minimamente progressista, que promove uma nova conciliação com as classes dominantes, ou mesmo um governo neoliberal clássico. Mas não existem apenas duas opções, como nos querem fazer crer. Uma suposta aliança com a classe dominante não é a única alternativa a viver sob a opressão violenta dessa mesma elite. Podemos escolher resistir e criar um mundo novo. Se tem algo que as revoltas de junho de 2013 nos mostraram, é que um levante popular radicalizado e descentralizado tem o poder de abalar as estruturas de um regime. Se houve algum erro naquele momento, foi o de recuar e permitir que a direita ocupasse as ruas e não continuar radicalizando e tensionando. Criando uma cultura de resistência e luta.
Vamos nos inspirar na luta feminista que não saiu das ruas até que o Estado Argentino descriminalizasse o aborto. Ou no movimento indígena no chamado Equador que forçou o governo a baixar o preço dos combustíveis e não saiu das ruas mesmo após sua vitória.
Foi um erro esperar que as eleições tirassem Michel Temer da presidência para nos salvar do avanço do conservadorismo. Foi um erro permitirmos que Bolsonaro chegasse ao fim do seu mandato. Quer você vote ou não para tirar Bolsonaro do poder, não podemos nos iludir de que isso será suficiente para garantir uma vida mais justa para todys nós. Será preciso muita luta e organização. Desde já.
Se a esquerda petista voltar ao poder, é preciso seguir lutando para garantir nossa existência e o acesso àquilo que precisamos. Ou já esquecemos que, apesar do Bolsa Família, do acesso à moradia e a universidades, durante os governos de Lula e Dilma vimos os bancos lucrarem como nunca enquanto a população carcerária brasileira subia 600%, se tornando a 3ª maior do mundo. Sem falar da guerra aos pobres com a instalação de UPPs nas favelas cariocas, os megaeventos consumindo dinheiro público para receber Copa do Mundo e Olimpíadas ao custo da remoção de milhares de famílias. Ou mesmo da construção de Usina de Belo monte que levou devastação ambiental e social com violência, alcoolismo, prostituição infantil e morte para o coração da Amazônia, além do declínio e paralisação da reforma agrária e das demarcações de terras indígenas.
A Outra Campanha relembra os chamados do Movimento Zapatista no México que se levantaram por autodeterminação e convidam a todos os povos para se organizarem permanentemente, para além dos anos eleitorais. Portanto, se você escolher votar ou não, isso não importa. O que importa é o que fazemos apesar das eleições!
Se em 2023, enfrentaremos o capitalismo e a repressão policial comandados por Bolsonaro e suas milícias ou por mais um governo Lula e as suas elites parceiras, o que precisamos é saber como vamos nos organizar enquanto movimentos, coletivos e comunidades. O que não podemos é acreditar que estaremos a salvo entregando todo nosso poder de ação para representantes eleitos e confiar que farão algo por nós, ou que eliminarão o fascismo da sociedade. O fascismo nunca foi embora com uma derrota nas urnas, pois habita os sentimentos e as práticas das pessoas comuns, não apenas dos líderes.
Encontre e junte-se a movimentos de base, apoie aldeias e povos indígenas, comunidades, quilombos e ocupações em resistência, some forças com grupos antifascistas. Ou crie seu próprio coletivo ou organização com pessoas com quem tem afinidade política e objetivos em comum.
E não importa quem seja eleito, seja ingovernável.
Hoje, dia 16 de agosto, estão oficialmente lançadas as candidaturas para eleger presidente, governadores, deputados e senadores. Essa promete ser a eleição mais acirrada e dura desde a redemocratização do Brasil, quando o governo com maior participação militar da história ameaça diariamente usar a força para resistir a uma derrota eleitoral, colocando em risco a existência em da democracia representativa como a conhecemos.
Quando protestos e contramanifestações que poderiam minar o apoio popular de Jair Bolsonaro nas ruas foram desencorajados e sabotados pela esquerda institucional e os movimentos sob seu guarda-chuva, as únicas formas de protesto restantes foram cartas gestadas pela elite intelectual e econômica para gentil e tardiamente pedir para que a democracia não seja destruída. A Carta aos Brasileiros e Brasileiras de 2022 emula a Carta aos Brasileiros de 1977, que pedia aos militares que devolvessem o Estado de Direito. Na época, foi lida na Faculdade de Direito de São Paulo por um orador no mínimo suspeito, escolhido pelos escritores da carta: o antigo apoiador do golpe de 1964 e membro da Ação Integralista Brasileira, Gofredo Teles Júnior.
Nesse ano, tanto a carta escrita pelos juristas de São Paulo quanto a escrita pela FIESP, dão o clima de uma suposta “união entre capital e trabalho“, comprovando a tese de que o fascismo atrasa qualquer agenda de esquerda revolucionária, juntando frentes cada vez mais amplas em uma luta para manter tudo como está. Daí segue o risco de um antifascismo que não toma as ruas, que não se propõe combativo e radicalizado, se tornar apenas uma força defendendo abstrações vagas como “liberdade e democracia”, ou uma aliança estagnada que apenas tenta evitar que o capitalismo deixe seus cães de guarda fascistas tomarem a frente do sistema que nunca os eliminou.
Enquanto ainda nos preparamos para possíveis eventos golpistas em setembro e a promessa de tensão e violência nos dias de eleição, lançamos uma edição atualizada do texto base da Outra Campanha e relembramos o vídeo “A Era da Democracia”, com texto e vídeo produzidos pelos coletivos s Antimídia e Facção Fictícia e reunidos no portal A OUTRA CAMPANHA.
Convidamos movimentos, coletivos e qualquer grupo ou indivíduo a reproduzir livremente esses materiais e promover o debate de seus pontos. Apesar das eleições e do voto, e de seus possíveis resultados, a organização de base e radical será necessária para derrotar tanto o fascismo quando o capitalismo como um todo, e não apenas encontrar gestores que pacifiquem as relações de exploração e opressão dentro deles.
Votando ou não, copie e difunda, mas, acima de tudo, se organize para construir um mundo realmente igualitário e livre — um mundo onde caibam muitos mundos!
Zine para baixar e imprimir:
Vídeo “A era da democracia” – 2020:
Desde o início dos anos 2000, vários movimentos sociais e grupos anticapitalistas atendem ao chamado do Exército Zapatistas de Libertação Nacional e todo o Movimento Zapatista para uma campanha “abaixo e à esquerda” por mudanças radicais. Desde a primeira marcha que percorreu 32 estados mexicanos em 2006, zapatistas propõem escutar as comunidades e promover valores como o anticapitalismo, o horizontalidade e a igualdade.
Na reta final para o segundo turno das eleições para prefeito, em que muitas cidade estão divididas entre o dilema de capitalismo de esquerda ou capitalismo de direita, compartilhamos uma versão para imprimir do artigo e roteiro do vídeo “A Era da Democracia”. Mesmo focando essa Outra Campanha no debate mediado por vídeos e artigos online, esperamos que uma versão impressa ajude o debate a atravessar momentos e lugares fora da internet e mídias sociais. Nosso palco de atuação principal sempre foram as ruas, as ocupações, escolas, locais de trabalho e todos os lugares onde pessoas se encontram para transformar o mundo, onde os debates que sintetizamos nesse texto e no vídeo da campanha foram gestados e desenvolvidos.
Abaixo, um poster do coletivo CrimethInc. que sintetiza muito da posição libertária frente a (falsa) polarização da política eleitoral: elejam quem quiser, estaremos resistindo e construindo uma força revolucionária desde abaixo e fora das instituições que sempre nos dividiram em classes. Portanto, FORA TODOS!
A Outra Campanha traz uma visão de política distante dos partidos e da esquerda institucional que, financiados pelos ricos e pelo próprio Estado, inundam as ruas e a mídia com suas propagandas e a noção de que somente entrando para as instituições estatais poderemos promover mudanças profundas.
Muitos dos maiores movimentos e revoluções em andamento em nossos tempos partilham da ideia de que é mais eficiente mudar o sistema de forma direta, popular, auto-organizada e sem os instrumentos de gestão e repressão do Estado. Somente a prática e o debate que considere essas experiências poderão mostrar às pessoas que existe política para além do voto e da democracia representativa burguesa.
Por isso, os coletivos Antimídia e Facção Fictícia apresentam “A Era da Democracia”, um vídeo e um artigo pensado para incitar o debate sobre as origens do voto democrático, seus limites e propostas para superá-lo e construir um mundo realmente igualitário e livre — um mundo onde caibam muitos mundos!
Vivemos na era da democracia. Uma forma de governo em que o povo escolhe, através do voto, representantes para ocupar cargos no Estado, criar leis e aplicá-las em nome da população.
Desde a Revolução Francesa, no fim do século 18, revoltas explodiram nos cinco continentes para tirar o controle do Estado da mãos dos reis e imperadores e instaurar governos onde qualquer pessoa pudesse concorrer a cargos eletivos e representar sua comunidade, sua classe, sua crença ou seu povo.
Mas ainda vivemos em uma sociedade tão desigual e excludente como as ditaduras e impérios que a antecederam. O fim do colonialismo, da escravidão formal, a conquista do direito das mulheres de votar, trabalhar e ocupar a política não bastou para acabar com a desigualdade de classes, nem com o racismo ou o patriarcado. O que vimos foi apenas gente da nossa cor ou do nosso gênero praticando as mesmas políticas que excluem maior parte da população, mantendo o abismo entre as pessoas ricas e pobres.
O que falta, então, para chegarmos a uma sociedade realmente livre e igualitária? Podemos começar nos perguntando o que herdamos das monarquias e impérios e está presente até hoje nos Estados democráticos.
Mesmo após as revoluções socialistas ao redor do mundo e o fim das ditaduras civil-militares na América Latina os novos governos mantiveram as instituições criadas por impérios para dominar e oprimir os povos: exércitos, polícia, prisões, fronteiras, sistemas jurídicos e a divisão social entre governantes e governados, trabalhadoras e administradoras. Essas instituições foram criadas para proteger os privilégios da classe dominante, na época, a nobreza. Hoje protegem elites financeiras ou a cúpula de um partido. Quase todo movimento, eleitoral ou revolucionário, que tentou tomar controle do Estado, mais cedo ou mais tarde reproduziu as mesmas dinâmicas de dominação e opressão.
Como esperar que haja igualdade se a sociedade está sempre dividida entre quem manda e quem obedece? Como esperar que quem controla instituições como polícias e prisões trabalhe por justiça e para o bem comum?
Votar em representantes é a única ou a melhor ferramenta para ter nossas vozes ouvidas e nossas necessidades atendidas em sociedade? Se eleições não representam nem dão voz à esmagadora maioria das pessoas, o que deu errado?
Os fracassos da Democracia – A Ilusão da Participação e as Falsas Promessa de Igualdade
Regimes absolutistas são instáveis. O tirano que governa somente pela força, de acordo apenas com seus desejos e humores facilmente desperta a revolta das classes oprimidas e disputas internas entre membros da elite.
Quando os povos derrubaram as monarquias, novas elites, como a burguesia, articularam-se para controlar as novas formas de governar. Descobriram, então, que o voto é uma ótima ferramenta para pacificar a revolta de grupos que se sentem excluídos dos processos políticos: “em vez de se rebelar para derrubar um rei, por que não esperar mais quatro anos e eleger um novo presidente?”
O poder de decidir continua na mão de poucas pessoas, mas agora ninguém pode dizer que “as pessoas não são ouvidas”. O voto se tornou uma ferramenta para legitimar governos, enquanto transfere nossa capacidade de agir e mudar a realidade para políticos profissionais, limitando a participação popular a uma única pergunta: quem vai mandar? Todas as outras questões serão decididas apenas por quem for eleita para isso. E se queremos nos candidatar às eleições, precisamos de dinheiro, influência, alianças com diferentes partidos e vastos recursos para ter alguma chance de ganhar.
Em resumo, o voto é um mecanismo que limita a participação da maioria enquanto permite que uma minoria venda sua imagem como empresas vendem seus produtos. Mesmo que as chamadas formas democráticas pressuponham a alternância de poder, na prática vemos como resultado muitos políticos passando décadas como parlamentares, monopolizando cargos por gerações, com membros das mesmas famílias (Sarneys, Magalhães, Suplicys, Neves, Bolsonaros, etc.) revezando nos plenários, governo federal ou dos estados. Suas atividades são unicamente governar, sendo assim, é difícil pensar que podem representar alguém além de sua própria classe de governantes.
Uma Barreira Ineficaz Contra o Autoritarismo
Um dos maiores argumentos em favor da democracia representativa é a suposta garantia de que o povo escolhe quem vai comandar por um tempo limitado. Através do voto, podemos tirar do poder quem não trabalha pelo bem comum. Além disso, a divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, regulando e vigiando uns aos outros, seria uma proteção contra o surgimento de regimes autoritários. No entanto, muitos dos piores regimes da história chegaram ao poder através das eleições. Adolf Hitler, por exemplo, foi eleito chanceler da Alemanha pelo Partido Nazista em 1933 usando de mecanismos democráticos, uma década depois de fracassar em uma tentativa de golpe.
O voto da maioria do eleitorado não é o mesmo que o voto de todas as pessoas, nem são o suficiente para impedir que tiranos ou racistas cheguem ao poder. Donald Trump, Jair Bolsonaro e Rodrigo Duterte foram eleitos mesmo promovendo discursos de ódio, racistas e machistas, considerados crimes pela legislação de seus países. E sequer foram escolhidos de fato pela maioria: Trump nem mesmo obteve a maioria de votos; e Bolsonaro foi eleito por apenas 57,8 dos 147,3 milhões de votantes – menos de 40% do eleitorado.
Outro problema da democracia representativa é que ela ainda se baseia em medidas impostas de forma centralizada e que excluem e oprimem pessoas da mesma forma que as piores ditaduras. Basta lembrarmos das operações de pacificação nas favelas, dos povos indígenas e ribeirinhos removidos de suas terras para construção de barragens, como a de Belo Monte, durante o governo do PT. Para as pessoas de grupos marginalizados ou cuja existência e cultura são um obstáculo para as forças coloniais e capitalistas, a democracia pode ser tão violenta quanto uma ditadura, mesmo sob um governo de esquerda.
Escolher Sem Liberdade
Às vezes surge um candidato com um discurso que resume o que as pessoas vinham sentindo e dizendo há muito tempo. Parece que ele vem de fora desse mundo da política e que é realmente um de nós.
Ao criticar duramente o sistema dentro da sua própria lógica, ele subitamente convence as pessoas de que o sistema pode ser reformado e funcionar de verdade, com justiça e igualdade, “se as pessoas certas estiverem no poder”. Assim, muito da energia que poderia ser usada para combater o sistema como um todo e promover mudanças diretas acaba sendo voltada para apoiar outro candidato que inevitavelmente vai nos decepcionar. E ao final, a estrutura estatal sairá com mais legitimidade e nós com menos prática e experiência em ação direta e auto-organização.
Essas candidaturas “alternativas” recebem tanta atenção porque são moldadas nos sentimentos populares. Muitas vezes elas estão explicitamente tentando subir ao topo se escorando nos esforços dos movimentos sociais e de base, cooptando suas lutas. Mas tais candidatos nunca atingem a raiz dos problemas e se limitam a maquiar problemas estruturais. Mudam o discurso mas são sempre meros gestores da política, da economia e dos aparelhos repressivos como qualquer outro que veio antes dele.
Sendo assim, deveríamos investir nossa energia em apoiando esses movimentos ou em construir mobilizações que criem pressão suficiente e façam ceder às nossas demandas e necessidades mais radicais?
Em outros momentos, nos aterrorizamos com a possibilidade do país ser governado pelo pior candidato possível: “E se ele chegar ao poder?! Pense como poderia ser ainda pior!”. Mas o real problema é a concentração de tanto poder em instituições como o governo. Não fosse por isso, não teríamos tanto medo de que indivíduos autoritários, fascistas e racistas tomassem o poder sempre que há uma eleição. Enquanto existirem Estados e outras instituições que monopolizam poder e legitimidade, sempre haverá risco de que fascistas tomem o seu controle e ameacem nossa liberdade e nossas vidas por uma via legal. Mais do que nos desesperar para tentar colocar alguém que “nos representa” no topo dessas instituições, precisamos construir formas de poder distribuído e descentralizado que tornem essas instituições obsoletas e impotentes.
A democracia é um jogo, onde os resultados podem mudar, mas as regras continuarão as mesmas. Como num videogame de mundo aberto, que cria a ilusão que temos liberdade para fazermos nossas próprias escolhas, quando na verdade as únicas escolhas possíveis são aquelas criadas por quem programou o jogo. É claro que existem diferenças entre Lula e Bolsonaro, entre Obama e Trump, mas as mudanças feitas por um governo dentro da democracia, mesmo que com competência e boas intenções, são muito restritas e podem ser facilmente desfeitas pelo seu sucessor.
Por isso o mais importante é investir nossa energia em caminhos mais efetivos nos opondo ao poder do Estado e todas as instituições que concentram o poder que é arrancado de nós. Precisamos de ferramentas mais eficientes para evitar que tiranos controlem o Estado. Precisamos garantir que quem não consegue vencer eleições, tenha sua existência e suas necessidades protegidas. Quantos séculos mais serão necessários para que concordemos que a democracia representativa não pode cumprir suas promessas?
O que pode ser “mais democrático” que votar?
Se o voto e a democracia representativa servem apenas para nos manter sob controle das novas elites na modernidade, o que pode existir além do voto e das eleições? Como aplicar as mudanças que queremos ver no mundo sem esperar que governos e os ricos façam em nosso nome – ou nos obriguem a fazer? O voto é como um emprego: a única coisa pior do que ser obrigada a viver com um, é ser ter que viver sem um. Portanto, a simples oposição entre votar ou não votar é insuficiente. É preciso reformular a questão.
Algumas pessoas vão dizer que é preciso boicotar as eleições. Outras dirão que quem não vota ou vota nulo não pode reclamar e ainda acusarão essas pessoas de ter permitido que fascistas como Bolsonaro chegassem ao poder. Mas independente de votarmos ou não, precisamos de formas de distribuir o poder, a capacidade de tomar decisões e aplicá-las em nossas vidas sem esperar por ordens ou permissões.
A realidade nos mostra que participar da política eleitoral significa abrir mão de construir uma força coletiva para entregar ainda mais poder e legitimidade às instituições políticas que amanhã podem estar nas mãos de ditadores e autoritários. Seja por um golpe de Estado ou através de eleições democráticas como fizeram Jair Bolsonaro, Donald Trump, Boris Johnson, Vladimir Putin, Viktor Orbán, Narendra Modi e tantos outros.
Portanto, ao invés de apenas pedir para alguém votar ou não, que tal experimentarmos formas de ação política que façam diferença concreta e imediata para nós e nossas comunidades, para que possamos agir diretamente sobre as questões importantes para nossas próprias vidas.
Existem diversas ferramentas e caminhos que podemos buscar que, em vez de tirar o poder de nossas mãos, empodera a nós e a nossas comunidades, como a ação direta, a tomada de decisões por consenso, a busca pela autonomia, a construção de federações e redes interdependentes, formas transformativas de abordar conflitos, a criação de espaços de encontro e troca e diversas outras possibilidades que fomentam a descentralização, a horizontalidade, a solidariedade, o apoio mútuo e um mundo mais igual, justo e livre.
Abaixo, debatemos práticas que podem ser melhores e mais eficientes que votar e confiar em políticos e líderes:
1. Consenso
A tomada de decisões baseada no consenso já é praticada pelo mundo todo, de comunidades indígenas no Brasil a movimentos de ocupação na Alemanha, ou cooperativas de agricultores na Venezuela. Em contraste à democracia representativa, os participantes fazem parte do processo de tomada de decisões de forma contínua e exercem verdadeiro controle sobre sua vida diária. Ao contrário da democracia governada pela maioria, o consenso valoriza igualmente as necessidades e preocupações de cada indivíduo; se uma pessoa está infeliz com uma resolução, é da responsabilidade de todos encontrar uma nova solução que seja aceitável por todos.
A tomada de decisões baseada no consenso não exige que uma pessoa aceite o poder de outros sobre ela, entretanto exige que todo mundo considere as necessidades de todos; o que ela perde em eficiência compensa em liberdade e transparência. Em vez de pedir que as pessoas aceitem líderes ou encontrem uma causa comum se homogeneizando, o processo consensual integra todos em um conjunto funcional enquanto permite que cada um mantenha a sua autonomia.
No entanto, o consenso não deve ser visto como algo inegociável, e votar para tomar decisões pontuais pode ser sempre uma opção para grupos ou assembleias de grupos que precisam resolver grandes questões de forma imediata.
Ter o consenso como valor absoluto em todas as situações pode ser arriscado e ineficiente, pois basta um indivíduo para barrar qualquer tomada de decisão. Flexibilidade entre consenso e voto em assembleia para cada decisão pode ser uma alternativa eficiente e segura.
2. Autonomia
Para ser livre, você deve ter controle sobre aquilo que está imediatamente ao seu redor e sobre as necessidades básicas da sua vida. Ninguém está mais qualificado que você para decidir como você deve viver; ninguém pode ser capaz de votar no que você deve fazer com o seu tempo e potencial a menos que você os convide. Alegar esses privilégios para si e respeitá-los nos outros é cultivar a autonomia.
A autonomia não deve ser confundida com a, assim chamada, independência, na verdade, ninguém é independente, uma vez que nossas vidas dependem umas das outras.* A glamourização da autossuficiência numa sociedade competitiva é um modo enganoso de acusar aqueles que se recusam a explorar os outros de serem responsáveis pela sua própria pobreza; e como tal, é um dos obstáculos mais significativos para se construir uma comunidade†. Em contraste a essa miragem Ocidental, a autonomia oferece uma livre interdependência entre pessoas que compartilham consenso.
Autonomia é a antítese da burocracia. Não há nada mais eficiente que pessoas agindo por suas próprias iniciativas como acharem necessário, e nada é mais ineficiente que tentar ditar as ações de todo mundo— isto é, a menos que seu objetivo fundamental seja controlar outras pessoas. A coordenação de cima para baixo só é necessária quando as pessoas devem ser forçadas a fazer algo que elas nunca fariam de seu próprio acordo; da mesma forma, uniformidade obrigatória, por mais horizontal que seja sua imposição, só pode fortalecer um grupo ao enfraquecer os indivíduos que o compõem. O consenso pode ser tão repressivo quanto a democracia a menos que os participantes retenham sua autonomia.
Indivíduos autônomos podem cooperar sem compartilhar um plano idêntico, enquanto todos se beneficiarem da participação dos outros. Logo, grupos que cooperam podem evitar conflitos e contradições, assim como o fazemos individualmente, e ainda fortalecer os participantes. Vamos deixar o ato de marchar sob uma bandeira única para os militares.
Finalmente, autonomia requer autodefesa. Grupos autônomos têm interesse em se defender da invasão daqueles que não reconhecemos seu direito à autodeterminação, e em expandir o território da autonomia e do consenso ao fazerem tudo em seu poder para destruir estruturas coercivas.
3. Federações sem hierarquia
Grupos autônomos independentes podem trabalhar juntos em federações sem que qualquer um deles detenha a autoridade. Tal estrutura soa utópica, mas, na verdade, pode ser muito prática e eficiente. O correio e as viagens de trem internacionais funcionam nesse sistema, par a citar dois exemplos: enquanto os sistemas individuais de transporte e correio são internamente hierárquicos, eles todos cooperam juntos para transportar correspondências ou passageiros de um país a outro sem que uma autoridade máxima seja necessária em qualquer estágio do processo. De forma similar, indivíduos que não podem concordar suficientemente para trabalhar juntos dentro de um coletivo ainda podem coexistir em grupos separados. Para que isto funcione a longo prazo, é claro, é preciso alimentar, gota a gota, os valores de cooperação, consideração e tolerância nas gerações futuras — mas isso é exatamente o que estamos propondo, e dificilmente conseguiremos executar esta tarefa pior do que os partidários do capitalismo e da hierarquia têm feito.
4. Ação Direta
A autonomia significa pessoas e grupos agindo por vontade e capacidade próprias: que em vez de esperar que solicitações passem por canais estabelecidos somente para acabar em burocracias e negociações intermináveis, você estabeleça seus próprios canais. Se você quer que os famintos tenham comida para comer, não apenas dê dinheiro a uma organização de caridade burocrática — descubra onde há comida sendo desperdiçada, recolha-a e compartilhe. Se você quer habitações acessíveis, não espere que a câmara municipal aprove uma lei — isso levará anos, enquanto pessoas dormem nas ruas todas as noites; ocupe prédios abandonados, abra-os para o público, e organize grupos para defendê-los quando os capangas dos proprietários ausentes aparecerem. Se você quer que as corporações tenham menos poder, não peça aos políticos por eles comprados que imponham limites a seus próprios mestres — tome esse poder para si próprio. Não compre seus produtos, não trabalhe para eles, sabote os seus anúncios publicitários e escritórios, impeça-os de realizar seus encontros e sua mercadoria de ser entregue. Eles também usam táticas similares para exercer poder sobre você — e só parece válido porque eles compraram as leis e os valores da nossa sociedade muito antes de você nascer.
Não espere por permissão ou liderança de alguma autoridade de fora, não implore para que algum poder superior organize sua vida para você. Tome a iniciativa com sua comunidade!
Conclusão: Elejam quem quiser, seremos ingovernáveis!
Sociedades sempre buscam formas mais eficientes de se organizar. O descontentamento popular é uma força contínua de mudanças. De fato, a Democracia é uma das melhores e mais eficientes formas de governo que existiu, se pensarmos que ela permite que tenhamos alguma voz e que, em tese, qualquer pessoa possa participar do governo e ser presidente mesmo sem ser “escolhida por deus” ou ter laços de sangue com uma dinastia no poder por séculos. No entanto, ao longo dos últimos 200 anos, a prática nos mostrou que mesmo governos democráticos, eleitos pelo voto popular, frequentemente acabam se aliando às classes dominantes para conseguirem governar, conservando profundas desigualdades políticas e econômicas.
Portanto, nossa busca não pode terminar aqui. Precisamos olhar para a história das revoluções sociais ao redor do mundo e em outras sociedades e culturas que vivem e se organizam de uma forma diferente, mais horizontal e que garantam de fato liberdade e autonomia, contra a desigualdade e a dominação.
Votar em uma classe de representantes e esperar que ela resolva nossos problemas é aceitar uma política de passividade. Se organizar entre comunidades e redes de várias comunidades, em apoio mútuo e partindo da ação direta é uma política para quem não quer apenas assistir e esperar, mas tomar o controle de suas próprias vidas e agir em uma sociedade por justiça e igualdade. Se toda energia e recursos desperdiçados em publicidade de campanhas políticas que sequer vencem eleições fossem usadas para fortalecer e atender comunidades, estaríamos numa situação muito melhor. Porque não testar algo radicalmente diferente desde agora?
Se para muitas pessoas a Democracia burguesa e o Capitalismo parecem algo invencível e do qual não podemos nos livrar, vale lembrar que os impérios, a escravidão legalizada e o direito divino dos reis também pareciam invencíveis até a véspera de sua queda.
NÃO IMPORTAQUEM SERÁ ELEITO, SEREMOS INGOVERNÁVEIS!